O limite entre realidade e ficção, a paixão pelo cinema, que se traduz em uma exclusividade absoluta a seu meio de expressão – e a alcunha que o denominou o mais cinéfilo entre os diretores brasileiros –, o estilo sofisticado e principalmente uma trajetória que começou na Boca do Lixo paulistana, aprendendo na prática com artesãos como Ody Fraga e Cláudio Portioli, para em seguida evoluir em direção a um cinema personalíssimo e inconfundível, são algumas das principais características de Guilherme de Almeida Prado, um dos mais talentosos diretores do Brasil. Foi utilizando toda essa gama de particularidades que ele conseguiu os maiores sucessos de sua carreira: A Dama do Cine Shangai; Perfume de Gardênia; A Hora Mágica e Onde Andará Dulce Veiga?, além de toda uma aura de cineasta cult apreciada e seguida por admiradores os mais diversos – os mesmos que aguardam um filme seu a cada cinco, oito ou dez anos, não porque ele queira ser assim, mas sobretudo pela dificuldade de se levar a cabo uma carreira muitas vezes prejudicada pela incompreensão e até certa impopularidade se comparada a de outros diretores.
Nascido em Ribeirão Preto, cidade, segundo ele, “onde não havia muita coisa a fazer”, e, na qual ele descobriu o cinema na juventude – “indo assistir aos filmes praticamente todas as tardes” – e onde aliás começou a fazer experimentos com o Super 8, Guilherme se formou em Engenharia pelo Mackenzie em São Paulo, a metrópole que a família acabou por adotar depois da venda da única casa que tinha em Ribeirão. Sempre soube que queria era o cinema. Começou como assistente em produções para a pornochanchada que se fazia na capital paulista nos anos 1970 e, logo depois, estreava no longa-metragem com uma produção de baixo orçamento, As Taras de Todos Nós, que se tornou enorme sucesso popular. E foi graças a ele que, aos poucos, evoluiu para um cinema mais pessoal, com Flor do Desejo, já circundando os elementos que o tornariam conhecido e que explodiriam em seu filme seguinte, A Dama do Cine Shangai, vencedor de inúmeros prêmios nacionais e internacionais.
Foi também o único diretor de cinema no Brasil a ter um filme em produção quando da extinção da Embrafilme no início da década de 1990 – e não demorou para, com a produção seguinte, A Hora Mágica, ajudar a estabelecer a carreira tanto da produtora Sara Silveira quanto a do amigo Carlos Reichenbach, que, através do filme, puderam levantar a Dezenove Som & Imagem. Ainda nos anos 1990, Guilherme quase chegou a dirigir o projeto de Ed Wood, “mas na última hora entrou em cena o Tim Burton, e o produtor me preteriu das negociações”, uma das inúmeras e saborosas histórias que compõem sua biografia. Fez sua estreia como ator em É Quase Verdade, do amigo Emanuel Mendes, em 2014, no papel de um típico diretor de terceiro mundo e que dá um depoimento avassalador sobre o que pensa do cinema e do Brasil.
Os dois se conheceram em 1998, quando Mendes chegou a levar o roteiro de seu primeiro curta-metragem para o colega ler. Perceberam que tinham muitas coisas em comum, não apenas no estilo, nos gostos, mas sobre a própria reflexão ligada ao meio no qual escolheram trabalhar. “Foi natural a escolha do Guilherme para o É Quase Verdade“, diz A. Nakamura, produtor da Sincronia. “Muito do que ele passou (ainda passa) em relação às suas escolhas estéticas, o não trabalhar com o clichê, o nadar contra a corrente, com o que se espera de um cineasta, dito, brasileiro, o Emanuel de uma certa forma também passou, com os curtas dele. O depoimento do Guilherme no filme, afinal de contas, é um enorme desabafo sobre essa ideia de a verdade estar sempre lá fora, no exterior, sobre o que a Europa e os EUA, regiões dominantes da arte e da cultura em geral, impõem ao restante do mundo.” Uma ideia, aliás, a qual só deixa entrever ainda mais o estilo pessoal, apaixonante e inventivo de Guilherme.