É impossível conceber o documentário em curta-metragem Estátuas Vivas sem a presença de sua diretora, Mirrah Iañez. Este é o terceiro trabalho no formato desta jovem cineasta formada pela Universidade Anhembi Morumbi e não apenas dá continuidade à ainda curta – porém robusta – carreira de Iañez, como reafirma o espírito engajado e criativo que vem caracterizando os trabalhos desta artista.
Filme de extrema sensibilidade e delicadeza, é a obra mais ambiciosa de Mirrah até o momento e aquela pela qual certamente ela irá abrir espaço entre seus pares. O filme parte do pressuposto de que muitas dessas pessoas – na verdade artistas oriundos dos mais diferentes backgrounds – se encontram naquela situação simplesmente por não deterem nem os meios materiais necessários para subir na vida nem a oportunidade de mercado oferecida para que isso aconteça. Em outras palavras, a profissão é vista pela sociedade não como arte – o que na verdade ela é –, mas como alternativa para falta de emprego e qualificação profissional.
Chamada de estatuísmo, essa habilidade de ficar absolutamente estático, muitas vezes equilibrando-se apenas em um banquinho, um suporte na própria rua, ou em pé na calçada, durante longos minutos (que podem chegar a horas!) interrompidos apenas quando se joga uma moeda para que o artista modifique a posição, remonta aos teatros de rua, artistas de circo, e é na verdade uma técnica de mímica incorporando elementos que para a maioria das pessoas pode ser impossível de controlar, principalmente por longos períodos de tempo: a respiração, o piscar de olhos, os gestos, o trabalho com o rosto. Poucos teóricos chegaram a falar sobre este nicho artístico dentro da prática de mímica teatral e de rua. No entanto, ela é muito forte, sobretudo no universo da música pop (Michael Jackson anyone?; George Michael anyone?) e danças de rua. E pode ser ainda vista em performances que vão desde o hip hop ao trabalho de preparação de um ator antes de um espetáculo. A partir do ano 2000, as cidades brasileiras foram invadidas pelas estátuas vivas, e artistas por todos os cantos do país começaram a formar seu próprio repertório de trabalho, estabelecendo inclusive grupos que passaram a se dedicar a esta forma de expressão, mesmo sem estudar a mímica teatral, que é a base técnica para o domínio do conceito.
Incorporando os mais diversos personagens – os estatuístas podem se vestir de anjo, de extraterrestre, muitas vezes de personagens famosos do cinema, da TV e da literatura –, eles são quase sempre objeto de curiosidade, de medo, de fascínio e louvor (ao menos para quem conhece e identifica seu trabalho como arte), misturando-se à multidão que na maioria das vezes, na correria do dia a dia, se esqueceu de seu próprio olhar. E é isso o que Mirrah Iañez e sua equipe procuraram resgatar e retratar no documentário – não apenas a visão daqueles que observam, mas sobretudo dos que são observados, procurando assim enxergar o universo ao redor com outros olhos. Não são poucos os momentos do filme – que em seus dez minutos de duração dizem tanto para seu espectador – onde a câmera atravessa para o outro lado, nos colocando dentro da alma dessas pessoas.
Filmado inteiramente nas ruas de São Paulo, com uma equipe mínima de técnicos, Estátuas Vivas chega com a vibração das obras que se pretendem (e conseguem!) atingir a beleza que apenas a arte é capaz: o de nos fazer enxergar a própria vida por um outro ângulo, abrindo nossas cabeças. Nas palavras de quem fez: “Queremos apresentar com esse documentário, utilizando de uma linguagem poética, o verdadeiro significado do movimento artístico e seus representantes, os estatuístas. Mostrar que para ser uma estátua viva é necessário muito estudo, conhecimento sobre o tema e personagem, conhecimento de atuação (a maioria é formada em artes cênicas), condicionamento físico e flexibilidades com o corpo, possuir técnicas de maquiagem e utilizar as roupas certas. Estes artistas escolheram utilizar a linguagem das estátuas vivas puramente por amor à arte.”