Entrevista com Emanuel Mendes

Fundador da Sincronia Explica Próximos Passos com a Startup beeyou

 

Por Marcela Liz

Entrevistas | 05 de Outubro de 2015

 

Depois de nove meses incubado na Escola de Negócios do Centro Paula Souza – vinculado ao Sebrae -, o projeto de startup beeyou – uma ideia nascida na Sincronia Filmes em 2010 com um outro modelo de negócio – sai dos bancos escolares pronto para sua primeira validação. “Foi como um parto”, afirma o diretor Emanuel Mendes, um dos criadores da plataforma quando ela era ainda desenvolvida para ser um site de vídeo currículo. “Precisamos rever todos os conceitos, ideias já formuladas, e redesenhar o canvas praticamente do zero”, continua Emanuel. Esse processo de reestruturação do beeyou teve como sócio um outro ator na empreitada, o designer e gestor de inovação Douglas Santana.

 

O diretor concebeu o projeto naquele ano (2010) juntamente de seu antigo sócio na Sincronia, o (também) diretor e roteirista Francisco Costabile. E embora ele hoje afaste-se bastante do conceito original – era o tal site de vídeo currículo, um modelo que até agora não vingou -, o objetivo continua o mesmo: modificar um atual mercado (no caso, o de contratação e movimentação de pessoas nas empresas) e dar voz aos profissionais que desejam mostrar talentos e habilidades que não conseguem (ou não podem) no currículo tradicional.

 

Cineasta por paixão (dirigiu três curtas-metragens), publicitário de formação e agora também empreendedor querendo sanar dores de um mercado que, acredita, está saturado pela convenção e pelo tradicionalismo (“Modelos de negócio que não funcionam mais”), Emanuel define-se como um rebelde. No cinema, até hoje encontra dificuldades em estabelecer um nome para si simplesmente porque recusa as fórmulas prontas dos festivais – seus curtas foram muito pouco vistos e o último deles, É Quase Verdade (2014), um documentira ironizando o establishment do cinema brasileiro, não encontrou espaço em nenhuma tela. Mas ele segue adiante e, como conta nesta entrevista – realizada como complemento à gravação do institucional do beeyou -, ainda pretende chacoalhar o status quo por muitos anos à frente.

 

Sabemos que o projeto do beeyou começou como um site de vídeo currículo que se transformou em uma outra coisa, um outro modelo de negócios. O quanto do projeto inicial ainda existe no atual e o que vocês (Emanuel e Douglas) modificaram para torná-lo o que ele é hoje?

Ótima pergunta. Bem, modificamos a coisa toda até não sobrar mais nada dele, a não ser o nome original (risos). Para isso, foi preciso muito estudo, muita pesquisa de campo para se conhecer os principais concorrentes, as tecnologias e os portais que estavam (e ainda estão) disponíveis para esse público que queríamos atingir. Percebemos que nenhum deles conseguia de fato comunicar-se com as pessoas e colocá-las no centro das atenções – praticamente todos se preocupavam com duas únicas coisas: o que ofereceriam às empresas e as vagas postadas por elas. Ou seja, o intuito sempre foi o de ganhar dinheiro, o de lucrar em cima do profissional, que, a rigor, nunca teve um canal para expor o que faz, para mostrar seus talentos e habilidades. Mais uma vez, o usuário era uma mera marionete nessa indústria do emprego e da contratação de pessoas que vemos todos os dias.

 

Mas esse jogo mudou, não é mesmo? Ou pelo menos parece que as regras estão se invertendo. Hoje as empresas perceberam que, se não retiverem os talentos que têm, ou não se esforçarem para contratar talentos, pessoas, e não máquinas, elas é que vão arcar com o prejuízo.

Felizmente. É um processo longo e demorado, mas é um movimento que vem acontecendo nos últimos anos: não só as empresas perceberam isso, como os próprios profissionais. Mais do que nunca hoje em dia as pessoas querem ser felizes, querem ter a oportunidade de fazer o que gostam, trabalhar naquilo que sabem que são boas, e não ficar presas a regras de mercado, ao que a empresa impõe para você como modelo de satisfação. Ou seja, felizmente, já não é mais o dinheiro, ou as promoções, ou os benefícios, o que impera, mas um modelo de satisfação vinculado ao prazer que o trabalho proporciona.

 

Isso também vem mudando em outras áreas? Por exemplo, você, como profissional do audiovisual, enxerga esse movimento também acontecendo no seu campo de atuação?

Sem dúvida nenhuma. E, mais uma vez, felizmente. Meu senso de justiça e de querer ver as coisas sempre funcionando (e funcionando bem), em todos os campos do saber, fala sempre mais alto nestes momentos. Acho que vem desse esquema do libriano, sei lá (risos). O fato é que já podemos enxergar muita coisa nesse sentido acontecendo por exemplo na televisão. Hoje, o modelo tradicional de TV que conhecemos está definhando – e a tendência para os próximos anos é que ele desapareça para sempre. Desapareça para dar lugar à internet e ao conceito de que o espectador é quem vai fazer a própria programação. Hoje, a TV do espectador é o YouTube – uma plataforma onde você assiste ao que quiser, no horário que lhe for melhor, onde quer que você esteja. É a ideia da transmídia elevada a um patamar muito alto. Isso é dar o poder às pessoas da escolha. Isso é algo que não existe nessas plataformas de currículo, vídeo currículo e afins. Você, como pagante, está sempre à mercê das empresas e ao que ela quer que você veja, compre ou consuma, inclusive e principalmente vagas de emprego. Outro modelo que vejo acabando nos próximos anos é o da publicidade tradicional – pelos mesmos motivos. E você já consegue identificar alguns passos nesse sentido quando algumas marcas saem de sua zona de conforto para ceder lugar a algumas inovações, como colocar totens de consumo na rua, criar virais na internet, ou estabelecer conexões entre as pessoas de uma maneira que não faziam antes. Hoje em dia, há muitas empresas institucionalizando departamentos inteiros de inovação dentro de seus escritórios, o que acho sempre saudável e fundamental. Esse é o caminho se quisermos ver as coisas andando, em perfeito equilíbrio.

 

Você acha que as produtoras, produtoras de conteúdo também deverão ir por esse caminho?

Sim. Porque senão irão fatalmente morrer.

E no cinema, mais especificamente?

De uma certa forma sim. O cinema vem mudando muito, não é mesmo? Veja só, eu sou caipira acostumado a economizar negativo e ver fita arrebentando, e de repente o filme já praticamente não existe mais. É claro que isso influencia o modo como as histórias são contadas, e como são exibidas. Num rompante, você tem um outro tipo de espectador – um espectador que não só consome esses filmes em várias telas, de diferentes tamanhos, aliás, não só mais na tela do cinema e da TV -, como se relaciona com esses filmes de todas as maneiras possíveis. Isso, ao meu ver, é bom e ruim ao mesmo tempo. Por um lado, você tem mais e mais pessoas assistindo a mais e mais filmes, de todos os nichos, o que cria espectadores para todo tipo de filme, não apenas os blockbusters americanos. Mas por outro você perde muito daquela aura de que filme é para ser experimentado em uma sala escura, na comunhão da hipnose coletiva. Para mim, pelo menos até agora, o cinema vai ser sempre no espírito dessa comunhão – mesmo apesar de o ingresso estar tão caro e as pessoas preferirem outras alternativas, sem sair de casa. E quando se fala em distribuição, o buraco é ainda mais embaixo. Se por um lado a internet ajudou a democratizar o acesso aos filmes, com mais e mais cineastas distribuindo seus filmes via a rede, por outro, perde-se muito do impacto do que um filme pode te oferecer, para o bem e para o mal. Sei que estou num romantismo atroz, mas é inescapável (risos).

 

Essa vontade de mudar, de fazer acontecer de modo diferente, contaminou boa parte das pessoas hoje em dia. Mas ao mesmo tempo, o empreendedorismo como opção de vida parece às vezes suspeitamente ligado a oportunismo ou ao não saber muito bem o que fazer da vida, principalmente em tempos de crise. O que acha dessas considerações?

É, já ouvi essas também (risos). A impressão que se tem é que todo mundo é empreendedor, mas ninguém sabe muito bem como fazer. As coisas tomam um rumo quase alucinatório quando se fala em empreender em um país surreal como o Brasil. Mas veja só a situação, deixa eu pegar meu exemplo para ilustrar: você geralmente começa a empreender – ou abre um próprio negócio – por uma única razão apenas: fazer as coisas do seu jeito. E isso, eu acho, está incondicionalmente ligado ao fato de você querer ser fiel e honesto consigo próprio, com os seus princípios. Até quando se resolve empreender por dinheiro a pessoa precisa estar muito consciente e ser absolutamente honesta consigo mesma – embora eu duvide bastante desse tipo de empreendedorismo (risos). Eu resolvi abrir minha própria produtora para ter a chance de fazer o que gosto, do meu jeito, e quero certamente que ela faça muitos trabalhos incríveis, trabalhos de qualidade, em todas as áreas nas quais nos propusemos a trabalhar. Eu decidi empreender porque estava cansado de ver coisas erradas e não poder fazer nada para resolver, ou pelo menos minimizar, uma determinada situação. Eu resolvi empreender por ver pessoas em cargos de poder sem o mínimo de competência para lidar com eles (os cargos). E finalmente, resolvi empreender também pelo prazer em quebrar regras, em destruir o status quo. Se não for por uma razão, e uma razão muito forte, não vai valer a pena você empreender.

 

O status quo te incomoda?

Muito. Entro em rota de colisão com ele e com pessoas conservadoras.

 

No que você acredita o beeyou pode ajudar a modificar o status quo desse mercado?

Eu espero sinceramente que ele venha a ajudar de duas maneiras. Primeira: dando voz para as pessoas criarem seu próprio conteúdo profissional (e por que não pessoal?) e assim se venderem de uma maneira inédita – no que, como já disse, todas essas plataformas não lhes dão possibilidade. Segunda: que o beeyou ajude a criar, ou melhor, recriar, a maneira como o mercado atua, o modo como as empresas se comportam e como as próprias pessoas se comportam em relação a elas e a si próprias. Porque no centro disso tudo está a pessoa, o ser humano, que, apesar de tudo, ainda é capaz de criar e se reinventar das maneiras mais incríveis possíveis. Para citar um exemplo dessa revolução que vem se desenhando (e da qual queremos fazer parte), basta acessar um site como o do Vine – a plataforma de vídeos de seis segundos onde as pessoas estão criando conteúdos arrasadores de criativos. Sei que sites como esses estão voltados para a diversão, para o descompromisso, o que vai contra a ideia do beeyou, voltado ao segmento profissional, mas tanto eu quanto o Douglas estamos curiosíssimos para ver o que as pessoas poderão criar dentro da nossa plataforma, utilizando o vídeo e o áudio.

 

O beeyou parece quebrar um modelo de negócios já há muito estabelecido; é um projeto fora da curva e disruptivo, como se diz. Você acha que o mercado está preparado para ele?

Quero acreditar que sim. Mas também sei que não vai ser tarefa fácil. É uma mudança de comportamento. Estamos muito acostumados a ter tudo à mão, a ter as coisas entregues de bandeja – especialmente em plataformas onde só é preciso dar três cliques e pronto, seu conteúdo já foi postado. Por outro lado, sabemos que existe uma massa muito grande de pessoas à deriva nesse mar de mediocridade que virou a internet nesse sentido. É para elas que o beeyou é direcionado, pelo menos neste início, quando estamos na fase de validação e entrada de mercado.

 

E como esse público vai poder utilizar os recursos da plataforma?

Basicamente para montar sua história profissional – no formato mesmo de storytelling, que é algo muito forte hoje em dia. Muitas empresas, marcas e segmentos, como eu disse, já perceberam o quão forte isso pode ser, e muitas delas hoje investem milhões (em dinheiro e esforços) nesse viés. Nós estamos proporcionando, através de um canal onde o profissional vai exibir tudo o que sabe, utilizando câmeras de smartphones, cada vez mais poderosas, para mostrar todo o potencial que ele tem. Pode ser para encontrar um emprego, mas não apenas isso: fazer parcerias, encontrar um sócio para um empreendimento, participar de um desafio proposto por uma empresa e uma série de outros recursos a serem implementados ainda.

 

É curioso perceber que, ao mesmo tempo que você é uma pessoa muito ligada em novas tecnologias e com um olho no futuro, também parece ser bastante apegado a um tradicionalismo quase inflexível.

Pois é, mas acho que isso é uma situação à qual estamos todos ligados, inexoravelmente. Ouvimos jazz e música clássica, o que, para muitos, são músicas muitas vezes consideradas ultrapassadas, ou coisa de velho, mas o fazemos em nossos aparelhos cada vez mais sofisticados, com todos os recursos possíveis. Pessoalmente, e até por fazer parte de minha profissão, adoro assistir a filmes antigos e fitas do período mudo, mas eles na maioria das vezes só chegam até nós via Blu-Rays de altíssima qualidade e repletos de material extra que nem sonhávamos que existia. É o novo e o velho se confundindo para criar uma nova linguagem, ou se quiser, uma nova alternativa de vida. É a tecnologia a serviço da qualidade e da melhoria de vida, da acessibilidade.  E é isso o que pretendemos fazer com o beeyou.

 

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Marcela Liz é jornalista e empreendedora. Colabora com regularidade para este site.